Talvez não conheçam a outra versão do espelho mágico, personagem da Branca de Neve e os Sete Anões. A rainha malvada ao perguntar ao seu fiel espelho se haveria alguém mais bela do que ela, após silêncio embaraçoso, respondeu: “sei lá, petulante rainha, pergunta-me apenas como estás hoje. E pelo teu aspecto não é só da Branca de Neve que deves ter ciúmes, pois mesmo alguns anões não são de desaproveitar!”. O desgraçado terminou em migalhas no chão de pedra, morrendo em defesa de uma verdade: as imagens nunca são absolutas.
Todos os espelhos falam, como sabemos. Respondem a dilemas tão fundamentais como vida ou morte, segurança ou fragilidade, sair de casa ou regressar à cama. Mas diferem uns dos outros tais como as próprias imagens que reflectem. Quando somos nós os seres reflectidos poderemos esquematizar essa diversidade em três tipos: os que nos favorecem, esbatendo anomalias e transformando-nos em seres com alguma graça; outros que não nos absolvem, revelando as noites mal dormidas, rugas e falhas de cabelo e esforçando-se por diminuir os ecos de euforia; e uns terceiros, talvez mais honestos, que nos descrevem “assim-assim”, nem muito favorecidos nem muito escavacados, sendo de bom senso acreditar ser mais correcta a sua manifestação.
Da relatividade da imagem reflectida resulta parte da nossa insegurança social. Qual a medida justa? Possivelmente, permaneceremos para sempre prisioneiros da natureza deformadora dos reflectores, tal como acontece quando nos submetemos ao olhar dos outros. Se perguntarmos a alguém a opinião sobre uma determinada pessoa e segundo vários aspectos, as respostas reflectem a contingência da representação oferecida por cada olhar. Raramente alguém obtém a unanimidade sobre o seu carácter, as suas potencialidades e até a sua figura. Existe sempre uma margem de confronto, de esbatimentos, de diferentes pontos de vista, de pormenores que sobressaem e fazem esquecer o conjunto. E é por isso que há quem nos adule, quem nos deteste, os indiferentes e os amigos. Naturalmente, a imagem reflectida pelos últimos será a mais fiável, pois tanto nos louvam as qualidades como nos criticam as tropelias e os sinais de mau carácter. Os outros fazem sobressair de tal forma as qualidades ou os defeitos que, ou criam monstros de virtudes ou criminosos de guerra e, desta forma, pouco ou nada acrescentam ao conhecimento de nós mesmos.
O maior problema deste conluio é que, em geral, todos procuramos os espelhos mais benevolentes. Em situações de maior insegurança sabemos onde se encontra aquele que, sendo menos criterioso, nos transfigura de simples humanos, pequenos e frágeis em figuras típicas de filmes, cinderelas com prazos exíguos. Se, pelo contrário, pretendemos reparar erros ou fazer juízos mais sóbrios sobre opções futuras, aproximamo-nos daqueles que, sendo frontais, não nos escondem críticas e nos descrevem com um semblante mais humano e mais quebradiço.
Por último e aparentemente, os espelhos menos sujeitos a embustes e que nos descrevem com maior rigor somos nós mesmos. Todavia, por estranho que pareça, nem sempre a imagem recolhida no silêncio de nós é imparcial e justa. Muitas vezes fechamos os olhos a evidências e continuamos a redimir culpas próprias atribuindo-as a segundos e a terceiros, para não beliscarmos a nossa carapaça, ou então somos tão severos e culpabilizadores que o nosso amor-próprio baixa a níveis suicidários. Teremos de aprender a ser superfícies mais polidas para que a imagem reflectida seja a mais próxima, limpa de narcisismos balofos e sentimentos auto-destrutivos. É um trabalho árduo e contínuo de reconhecimento, quer através da expiação de pecados antigos quer pela coragem de assumir optimismo perante as nossas qualidades.
Todos os espelhos falam, como sabemos. Respondem a dilemas tão fundamentais como vida ou morte, segurança ou fragilidade, sair de casa ou regressar à cama. Mas diferem uns dos outros tais como as próprias imagens que reflectem. Quando somos nós os seres reflectidos poderemos esquematizar essa diversidade em três tipos: os que nos favorecem, esbatendo anomalias e transformando-nos em seres com alguma graça; outros que não nos absolvem, revelando as noites mal dormidas, rugas e falhas de cabelo e esforçando-se por diminuir os ecos de euforia; e uns terceiros, talvez mais honestos, que nos descrevem “assim-assim”, nem muito favorecidos nem muito escavacados, sendo de bom senso acreditar ser mais correcta a sua manifestação.
Da relatividade da imagem reflectida resulta parte da nossa insegurança social. Qual a medida justa? Possivelmente, permaneceremos para sempre prisioneiros da natureza deformadora dos reflectores, tal como acontece quando nos submetemos ao olhar dos outros. Se perguntarmos a alguém a opinião sobre uma determinada pessoa e segundo vários aspectos, as respostas reflectem a contingência da representação oferecida por cada olhar. Raramente alguém obtém a unanimidade sobre o seu carácter, as suas potencialidades e até a sua figura. Existe sempre uma margem de confronto, de esbatimentos, de diferentes pontos de vista, de pormenores que sobressaem e fazem esquecer o conjunto. E é por isso que há quem nos adule, quem nos deteste, os indiferentes e os amigos. Naturalmente, a imagem reflectida pelos últimos será a mais fiável, pois tanto nos louvam as qualidades como nos criticam as tropelias e os sinais de mau carácter. Os outros fazem sobressair de tal forma as qualidades ou os defeitos que, ou criam monstros de virtudes ou criminosos de guerra e, desta forma, pouco ou nada acrescentam ao conhecimento de nós mesmos.
O maior problema deste conluio é que, em geral, todos procuramos os espelhos mais benevolentes. Em situações de maior insegurança sabemos onde se encontra aquele que, sendo menos criterioso, nos transfigura de simples humanos, pequenos e frágeis em figuras típicas de filmes, cinderelas com prazos exíguos. Se, pelo contrário, pretendemos reparar erros ou fazer juízos mais sóbrios sobre opções futuras, aproximamo-nos daqueles que, sendo frontais, não nos escondem críticas e nos descrevem com um semblante mais humano e mais quebradiço.
Por último e aparentemente, os espelhos menos sujeitos a embustes e que nos descrevem com maior rigor somos nós mesmos. Todavia, por estranho que pareça, nem sempre a imagem recolhida no silêncio de nós é imparcial e justa. Muitas vezes fechamos os olhos a evidências e continuamos a redimir culpas próprias atribuindo-as a segundos e a terceiros, para não beliscarmos a nossa carapaça, ou então somos tão severos e culpabilizadores que o nosso amor-próprio baixa a níveis suicidários. Teremos de aprender a ser superfícies mais polidas para que a imagem reflectida seja a mais próxima, limpa de narcisismos balofos e sentimentos auto-destrutivos. É um trabalho árduo e contínuo de reconhecimento, quer através da expiação de pecados antigos quer pela coragem de assumir optimismo perante as nossas qualidades.
4 comentários:
Raios partam os espelhos. Principalmente aqueles que falam. E os espelhos maricas que ditam as tendências da moda. E que criam padrões de beleza estranhos. Raios partam. Raios partam.
Bem ... não sei se posso fazer um comentário ... acho que não faço.
Só vemos nos espelhos aquilo que queremos...
Na realidade os espelhos são capazes de mostrar aquilo que queremos, ou que gostamos, da mesma forma que também o fazem ao contrário e aqui é que a "porca troce o rabo"... Muitas das coisas que os espelhos mostram, supostamente boas ou más, condizem com uma realidade manipulada por forças de interesses e que nos fazem crer numa coisa, ou noutra. Por isso, costumo dizer que o melhor espelho é aquele que os verdadeiros Amigos nos conseguem reflectir e é neste que devemos acreditar e seguir...
Aquele abraço.
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