segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Partir sem Regresso Marcado

Partir nunca é fácil. O acto em si coloca questões incómodas, como fazer malas e embrulhos, marcar viagens e um sem número de questões logísticas que requerem disponibilidade e paciência. Partir sem regresso marcado é ainda mais difícil. É uma partida que necessita de preparação, recolhimento interior, prévios consolos, gestos cúmplices, despedidas, juras de reencontros. No acto é difícil manter a serenidade, ainda mais quando se foi feliz no sítio de onde se parte.

Regressar, por seu lado, tem o sentido místico de aconchego, de tocar de novo no familiar e no íntimo. Sentimentos tanto mais profundos quanto a duração da viagem. Há algumas tão compridas que se transformam em parte substancial da vida e o regresso a solo familiar não é uma simples chegada mas um recomeço. As viagens longas quando se esgotam implicam que a vida tenha de procurar um novo sentido, novos ritmos, novos pontos de apoio, novos espaços de silêncio. Como se o reencontro fosse também um olhar novo sobre velhos horizontes, após perda da ingenuidade nos caminhos percorridos. Depois, qualquer perspectiva é toldada pela experiência acumulada de viajante, qualquer juízo ou projecto serão analisados pelo filtro da vida ou vidas anteriores.

Mas qualquer regresso exige sempre uma partida e quem parte divide-se pelo que se apropria e pelo que se desvincula, cruzamentos que na sua infinita diversidade constróem o destino de quem viaja. Como uma vez já dissemos, é impossível pensar a individualidade humana dissociada dos locais de vida e das pessoas com quem se cruzou. A essência do homem determina-se pela história das partidas e chegadas que coube em sorte a cada um. Mas há regressos mais calmos, os falsos regressos, em que não se regressa, pois nunca se chegou a partir; como há falsas partidas que transportam em si mesmo regressos marcados; mas há partidas muito mais dolorosas, as verdadeiras, aquelas que traduzem o sentido essencial de “partida”, as partidas sem regresso.

Em todas as partidas há sempre um elemento negativo unificador: a privação. Das pessoas, dos lugares, dos cheiros, do intercâmbio de gestos, das tonalidades das paisagens. Mas tem presente um elemento positivo, quem parte fica com a melhor parte. Leva o melhor que retirou daquilo que fica. Nunca se levam mágoas, incertezas, tristezas ou decepções. Levam-se filhos, amigos, momentos belos, tempos felizes. À chegada, ao testemunhar a passagem, elogia a experiência e o saber adquirido, as pessoas que conheceu, a beleza das paisagens, o tempo que corresponde e corresponderá a algo de fundamental na vida de quem chega. Nunca se menospreza o tempo de viajante, seria uma traição a uma parte de quem regressa. Aliás, pelo contrário, a perda inflaccionará o valor da ausência...

Mas ao partir sem regresso, acredita-se num regresso sem data, uma viagem futura que curará feridas e avivará memórias. Não aquele regresso como vida que era antes de partir, mas um falso regresso com partida marcada, que anima as memórias, reforça laços e reafirmação da marca do passado.

Quando se parte sem regresso marcado aquilo que fica é ainda mais importante do “mesmo” enquanto parte da vida. É como se a distância transformasse o bom que se viveu na felicidade que se procurou sempre. Quando se parte sem o regresso marcado tem-se medo de não se conseguir sobreviver sem o que deixou. Mas como o tempo sara as feridas, a ausência do que fica longe ganha uma áurea que sempre perdurará.

1 comentário:

gingerandclove disse...

hi Antonio:)

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