Choras durante o sono, sabes? Um choro prolongado, profundo, rouco, que causa calafrios só de ouvir. Podes ostentar esse flanco superficial, coquete, desprendido, mas à noite, quando o silêncio pinta a casa de negro, irrompe um pranto como o de uma criança a quem lhe retiraram tudo o que a fazia feliz. Um choro incapaz de parar porque não há ninguém que seja dono de algo tão espesso como aquilo que pedes. Uma fragilidade que nunca vais admitir porque preferes apresentar esse teu lado imperial, de mulher que não precisa de ninguém. Que não precisa essencialmente de mim.
Então levanto-me, ando pela casa com as mãos pressionando os ouvidos, cantando canções de embalar. Mostro o rosto envolto em mágoa, pelas razões que bem conheces, mas essa mágoa é superficial, sara, recupera com o tempo. Mas a tua mágoa é difícil de curar. Faz parte de ti. És infeliz no âmago, não és infeliz na derme. Só a verdade te poderia salvar. Uma atitude em que assumisses os teus medos, a tua guerra interior, os fantasmas do passado. Terias de chorar muito enquanto desperta, porque as lágrimas vertidas no sono salvam-te da vida, mas não te salvam de ti mesma.
Mas não, preferes o show off, a peça da mulher feliz que convive perfeitamente consigo mesma. E eu sofro ao teu lado, por vezes pego em ti enquanto dormes e aninhas-te no meu colo tão desprotegida como uma criança errante. Gostava de conseguir preencher esse vazio tão forte e tão denso, mas não sou capaz, porque me julgas incapaz. Preferes alimentar a esperança vã de que, mais cedo ou mais tarde, por um passo de mágica, alguém transformará o teu lado negro no lago dos cisnes. Desculpa se não acredito…
2 comentários:
É uma questão mais profunda do que essa mas talvez o ego masculino prefira inventar outras razões. As mulheres apercebem-se das crises e atemorizam-se com as consequências muito mais do que os homens. É algo que vem da mama e do medo ancestral de não poder providenciar alimento às crias. E se vivemos tempos de crise.
Todos nós choramos durante o sono. Estamos numa situação complicada, ou seja, perante a escuridão, sós e muitas vezes a tratar dos nosso assuntos mais tenebrosos. Há uma sensação de vazio enorme. Estamos a lidar com aquilo de que fugimos constantemente. Mas o nosso subconsciente puxa-nos a "prestar contas". A atitude será sempre a de pegar no problema e "parti-lo" em bocados mais digestíveis e assim "dar a volta". Se possivel resolvê-lo, ou quanto mais não seja, arrumá-lo bem arrumadinho no armário, na gaveta correcta para que não interfira nas outras gavetas... é um exercício dificílimo mas é possivel. Basta ser corajoso...
av
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