Andamos todos à procura de histórias que iluminem as nossas vidas e algumas encantadoras passam mesmo por baixo das nossas barbas e não damos por elas. Esta história de amor que me apeteceu contar ocorre neste preciso momento por baixo dos meus pés. Ou melhor, na entrada do prédio, onde vivo. É uma história de amor comovente, como são todas as histórias de amor. E vai acabar mal, ai isso vai, como findam todas as histórias de amor.
Na fronteira do prédio, um prédio alto que comanda os horizontes até um mar que se perde por reentrâncias desnecessárias, há vários dias, assentou arraiais um cão grande, preto como o breu, bem tratado, daqueles modelos bravios que assustam só pela presença. A um metro do portão, deitado sobre as patas, fixa os olhos verdes nas pessoas que passam e, após o afastamento, os olhos concentram-se num enfiamento imaginário que atravessa o portão e percorre o interior vedado. Quando surgiu, há três dias, num fim de tarde, a vizinhança assustou-se pelo aspecto e por aquele olhar verde que sustentava qualquer movimento. Depois foi desaparecendo o receio e apenas se manteve a interpelação sobre o motivo da estranha estadia. O seu objecto de interesse não são pessoas. Apenas olha para elas, não se interessa por elas. Isso é evidente.
Clarificou-se ontem por conversa de vizinhos quando as portas semiabertas dos elevadores permitiram confidências. Como sabem, no interior do elevador não se fala com desconhecidos porque os olhares permaneceriam demasiado próximos. Precisa-se de um certo espaço para fazer fluir uma conversa banal. Assim que as portas se abrem e algum dos ocupantes ameaça retirar-se, então fala-se. Pelos vistos, no quinto andar, existe uma cadela, pequena e lustrosa, mimada pelo colo do dono, irresponsável pela tenra idade. Ela e o cão de olhos verdes encontraram-se num daqueles intercâmbios caninos, quando os respectivos donos são arrastados estrada fora, estrada marcada por fronteiras imaginárias. O feitiço foi forte. A explicação banal é que a cadela lustrosa anda com cio, mas julgo a explicação demasiado simplista para justificar tanta melancolia e paciência na espera. Parece implorar novidades, dela que não sai porque o dono se apercebeu da emboscada. E permanece com aquele semblante acabrunhado de um trovador que esperará toda uma vida. Se necessário for.
Mas já chamaram o pessoal responsável pelo canil camarário. Esta história de amor não vai acabar bem. Ai isso não!
Na fronteira do prédio, um prédio alto que comanda os horizontes até um mar que se perde por reentrâncias desnecessárias, há vários dias, assentou arraiais um cão grande, preto como o breu, bem tratado, daqueles modelos bravios que assustam só pela presença. A um metro do portão, deitado sobre as patas, fixa os olhos verdes nas pessoas que passam e, após o afastamento, os olhos concentram-se num enfiamento imaginário que atravessa o portão e percorre o interior vedado. Quando surgiu, há três dias, num fim de tarde, a vizinhança assustou-se pelo aspecto e por aquele olhar verde que sustentava qualquer movimento. Depois foi desaparecendo o receio e apenas se manteve a interpelação sobre o motivo da estranha estadia. O seu objecto de interesse não são pessoas. Apenas olha para elas, não se interessa por elas. Isso é evidente.
Clarificou-se ontem por conversa de vizinhos quando as portas semiabertas dos elevadores permitiram confidências. Como sabem, no interior do elevador não se fala com desconhecidos porque os olhares permaneceriam demasiado próximos. Precisa-se de um certo espaço para fazer fluir uma conversa banal. Assim que as portas se abrem e algum dos ocupantes ameaça retirar-se, então fala-se. Pelos vistos, no quinto andar, existe uma cadela, pequena e lustrosa, mimada pelo colo do dono, irresponsável pela tenra idade. Ela e o cão de olhos verdes encontraram-se num daqueles intercâmbios caninos, quando os respectivos donos são arrastados estrada fora, estrada marcada por fronteiras imaginárias. O feitiço foi forte. A explicação banal é que a cadela lustrosa anda com cio, mas julgo a explicação demasiado simplista para justificar tanta melancolia e paciência na espera. Parece implorar novidades, dela que não sai porque o dono se apercebeu da emboscada. E permanece com aquele semblante acabrunhado de um trovador que esperará toda uma vida. Se necessário for.
Mas já chamaram o pessoal responsável pelo canil camarário. Esta história de amor não vai acabar bem. Ai isso não!
6 comentários:
É uma história de ir às lágrimas!
Daquelas em que a nossa sensibilidade vem toda à flor da pele, num misto de enternecimento e horror.
A esta hora já terá acontecido o tal final que não é feliz e isso só reitera a ideia de que as histórias de amor acabam em tragédia.
Olha, vou ouvir o novo dos Coldplay, "VIVA LA VIDA!", pode ser que valha a pena.
Beijinhos
Eu não chamaria senhores de canis nenhuns! Mas há um cão aqui ao pé que nem se lhe batermos ele foge daqui! É, quando a Nina está com o cio somos escoltados por uns dois ou três cães até à paragem, ou até qualquer outro sítio aonde a gente vá a pé!
Há uns tempos abandonaram aqui um cão grande, com medo das pessoas, muito meigo. Agora já se aproxima de nós, porque lhe damos comida. Da última vez que a Nina teve o cio... Ficaram a pensar que o pobre rafeiro era uma cadela porque o outro cão emplastro andava sempre atrás dele!
Vá-se lá entender os bichos...
Nunca percebi porque é que as pessoas não tiram a conclusão óbvia e tentam projectar nos bichos aquilo de que não são capazes. Na realidade o cio é mais forte que o amor!
wuf
A frase desta história?
E permanece com aquele semblante acabrunhado de um
trovador que esperará toda uma vida.
Se necessário for.
Seja qual for o fim, valerá a pena ter esperado.
Beijo
conhecia a vida de cão...
o cão comprado para vencer o medo,
o olhar meigo de cão,
um cão mudo e quedo,
e agora um canideo com coração.
continua...
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