Aos poucos vai-se recuperando. Com umas muletas que sustentam a caminhada, umas vitaminas de cores coloridas e uns caldos de galinha. Chega-se a uma idade em que a vida nos oferece pouco mais do que a largura de uma pequena estrada, sem cruzamentos nem alternativas. Caminhamos em frente, sabendo que em frente pouco há mais do que a repetição dos próprios passos.
Nesta caminhada não vou sozinho. Sou eu e o meu corpo, esse ser esquivo que muda de configuração todos os dias. A sua complexidade é tremenda, com mecanismos tão cúmplices que quando avaria um todos se ressentem. Lá anda na sua vidinha, procurando o sol como um lagarto, com as suas regras e exigências pérfidas e eu acomodo-me, como um membro do casal que, sendo mais lúcido, apenas pretende uma coexistência pacífica. Só lhe satisfaço os caprichos por forma a não haver protestos. Não tenho grande intimidade mas, como coabitamos há muito, temos aquele trato cúmplice de reconhecermos por pequenos sinais as ameaças e as depressões. E se muitas vezes sonhei com outra parceria, com maiores potencialidades e conveniências, nunca me decidi e agora já é tarde.
Um companheiro que me estraga as tardes, exigente no que consome, fundamentalista nos hábitos, renitente aos riscos e aventuras. Sinceramente, moro em conjunto mas não gosto dele. Sempre o culpei de não ter tido as namoradas que gostaria, culpei-o de dores de dentes, de dor nas costas. Se esta união de facto não fosse quase tão velha como eu mesmo, sem as histórias de aventuras partilhadas, tomava uns sedativos e fugia dele por uns tempos. Deixava-o em casa e comprava umas férias em separado. Mas sinto-me responsável, ainda mais que se encontra em fase difícil. Os sinais que emite nesta Primavera incerta são pouco animadores.
Ele poderia ter as mazelas, desde que não me lacerasse! Assim, não. O seu tormento provoca-me desassossego. Queixumes em alta voz, desesperos soltos, o agitar constante de quem não está bem com ele próprio. Claro que reconheço também a minha dificuldade em partilhar espaços. E tenho os meus dias. Naqueles em que me basta o céu azul para a esperança me encher de sorrisos e naqueles em que tudo me parece negro como bréu. E aí o desgraçado sofre um bocado. Como umas porcarias, não o deixo descansar, renuncio às corridas e esqueço-me dele. Por vezes, ao espelho, já não o reconheço. Afasto-me e ele ressente-se. É muito ciumento este meu parceiro! Eu sou menos. Quero lá saber que se esfalfe sem que eu faça parte do seu próprio ritmo, da sua vidinha ridícula, comezinha. Quando ele está saciado, esfalfado, dormente no meio de um sofá, então pé ante pé, afasto-me e liberto-me dos atavios que não me deixam voar.
Por tudo isso, neste princípio de fim de vida, fazendo contas, tenho a convicção de que não fomos felizes. Afortunados em determinadas fases, mas a ausência de um conúbio forte impossibilitou projectos conjuntos. Naturalmente, houve estádios de maior companheirismo, quando julgava que a minha felicidade dependia dele, da sua energia, dos seus propósitos. Percebi mais tarde o equívoco e resignei-me. Restámos nós os dois, neste ser dual que se transporta aos berros, como dois velhos quezilentos. Eu quero a quietude, ele gosta de ser andarilho; eu quero serenidade ele prefere a folia; ele escolhe excessos, eu elejo o regramento. O problema é que ele deseja mais do que pode. Eu quero mais do que ele cede. Mas estamos demasiado desgastados para um divórcio litigioso. Frequentemente, sonhei com esse desenlace, ele permaneceria em casa e eu sairia sozinho voando com as nuvens, empurrado por aquele vento que soa nos ouvidos e deixa para trás uma parte de nós...
Nesta caminhada não vou sozinho. Sou eu e o meu corpo, esse ser esquivo que muda de configuração todos os dias. A sua complexidade é tremenda, com mecanismos tão cúmplices que quando avaria um todos se ressentem. Lá anda na sua vidinha, procurando o sol como um lagarto, com as suas regras e exigências pérfidas e eu acomodo-me, como um membro do casal que, sendo mais lúcido, apenas pretende uma coexistência pacífica. Só lhe satisfaço os caprichos por forma a não haver protestos. Não tenho grande intimidade mas, como coabitamos há muito, temos aquele trato cúmplice de reconhecermos por pequenos sinais as ameaças e as depressões. E se muitas vezes sonhei com outra parceria, com maiores potencialidades e conveniências, nunca me decidi e agora já é tarde.
Um companheiro que me estraga as tardes, exigente no que consome, fundamentalista nos hábitos, renitente aos riscos e aventuras. Sinceramente, moro em conjunto mas não gosto dele. Sempre o culpei de não ter tido as namoradas que gostaria, culpei-o de dores de dentes, de dor nas costas. Se esta união de facto não fosse quase tão velha como eu mesmo, sem as histórias de aventuras partilhadas, tomava uns sedativos e fugia dele por uns tempos. Deixava-o em casa e comprava umas férias em separado. Mas sinto-me responsável, ainda mais que se encontra em fase difícil. Os sinais que emite nesta Primavera incerta são pouco animadores.
Ele poderia ter as mazelas, desde que não me lacerasse! Assim, não. O seu tormento provoca-me desassossego. Queixumes em alta voz, desesperos soltos, o agitar constante de quem não está bem com ele próprio. Claro que reconheço também a minha dificuldade em partilhar espaços. E tenho os meus dias. Naqueles em que me basta o céu azul para a esperança me encher de sorrisos e naqueles em que tudo me parece negro como bréu. E aí o desgraçado sofre um bocado. Como umas porcarias, não o deixo descansar, renuncio às corridas e esqueço-me dele. Por vezes, ao espelho, já não o reconheço. Afasto-me e ele ressente-se. É muito ciumento este meu parceiro! Eu sou menos. Quero lá saber que se esfalfe sem que eu faça parte do seu próprio ritmo, da sua vidinha ridícula, comezinha. Quando ele está saciado, esfalfado, dormente no meio de um sofá, então pé ante pé, afasto-me e liberto-me dos atavios que não me deixam voar.
Por tudo isso, neste princípio de fim de vida, fazendo contas, tenho a convicção de que não fomos felizes. Afortunados em determinadas fases, mas a ausência de um conúbio forte impossibilitou projectos conjuntos. Naturalmente, houve estádios de maior companheirismo, quando julgava que a minha felicidade dependia dele, da sua energia, dos seus propósitos. Percebi mais tarde o equívoco e resignei-me. Restámos nós os dois, neste ser dual que se transporta aos berros, como dois velhos quezilentos. Eu quero a quietude, ele gosta de ser andarilho; eu quero serenidade ele prefere a folia; ele escolhe excessos, eu elejo o regramento. O problema é que ele deseja mais do que pode. Eu quero mais do que ele cede. Mas estamos demasiado desgastados para um divórcio litigioso. Frequentemente, sonhei com esse desenlace, ele permaneceria em casa e eu sairia sozinho voando com as nuvens, empurrado por aquele vento que soa nos ouvidos e deixa para trás uma parte de nós...
1 comentário:
... "neste principio de fim de vida..":)
http://www.photosight.ru/viewpicwindow.php?photoid=1297203
um equis
ta
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