A memória é um rio profundo e de águas turvas, sempre num movimento perpétuo em busca de um colo acolhedor. Nasce no momento que tomamos consciência de nós, cresce à custa dos acontecimentos e opções, ganha tamanho e profundidade à medida que os anos passam. O âmago, em permanente convulsão, às vezes, exterioriza-se em inundações que arrastam tudo à sua frente.
A memória é a massa de que somos feitos, a nossa génese – grandeza e miséria. A nossa raiz identitária. Transforma-nos em seres únicos e persistentes no tempo, dá-nos consistência, permite-nos os afectos, a linha de vida. Sem ela desaparecia o que fomos e o próprio futuro: só o projectamos pela inevitabilidade do passado. Como simples átomos presenciais, sem enquadramentos, seríamos pequenas poças de água que desapareceriam pouco tempo depois de formadas. O rio permite a continuidade da corrente, a força que constrói as margens.
A profundidade do rio depende da maior ou menor complexidade da vida. Se esta decorreu sem grandes sobressaltos, a memória é mais límpida, mais envolvente e menos áspera. Não tem necessidade de se afirmar de forma persistente. Pelo contrário, a sua afirmação vigorosa é exigida por vidas trágicas e as suas águas inundam os leitos.
Naturalmente, é possível viver sem memória. Como se o presente fosse uma conquista permanente ao esquecimento; viver a vida com indiferença e sem construções vinculativas. Da mesma forma, há o perigo de se viver apenas da memória. É recusar o futuro como uma traição ao passado. Como se um passo dado em frente representasse uma machadada à nossa própria essência.
Mas o rio é profundo, exige a pesquisa, a remoção de escombros e a perseverança. O fundo, em vez de transparente e acolhedor, é um remoinho sombrio capaz de manter a salvo tesouros ocultos. Mesmo aqueles rios tranquilos, supostamente benévolos a nadadores experimentados, podem esconder correntes fortíssimas que os fazem submergir na sua energia.
A memória é a massa de que somos feitos, a nossa génese – grandeza e miséria. A nossa raiz identitária. Transforma-nos em seres únicos e persistentes no tempo, dá-nos consistência, permite-nos os afectos, a linha de vida. Sem ela desaparecia o que fomos e o próprio futuro: só o projectamos pela inevitabilidade do passado. Como simples átomos presenciais, sem enquadramentos, seríamos pequenas poças de água que desapareceriam pouco tempo depois de formadas. O rio permite a continuidade da corrente, a força que constrói as margens.
A profundidade do rio depende da maior ou menor complexidade da vida. Se esta decorreu sem grandes sobressaltos, a memória é mais límpida, mais envolvente e menos áspera. Não tem necessidade de se afirmar de forma persistente. Pelo contrário, a sua afirmação vigorosa é exigida por vidas trágicas e as suas águas inundam os leitos.
Naturalmente, é possível viver sem memória. Como se o presente fosse uma conquista permanente ao esquecimento; viver a vida com indiferença e sem construções vinculativas. Da mesma forma, há o perigo de se viver apenas da memória. É recusar o futuro como uma traição ao passado. Como se um passo dado em frente representasse uma machadada à nossa própria essência.
Mas o rio é profundo, exige a pesquisa, a remoção de escombros e a perseverança. O fundo, em vez de transparente e acolhedor, é um remoinho sombrio capaz de manter a salvo tesouros ocultos. Mesmo aqueles rios tranquilos, supostamente benévolos a nadadores experimentados, podem esconder correntes fortíssimas que os fazem submergir na sua energia.
2 comentários:
Por vezes penso que a minha memória é pior que o rio Trancão.
Isto há coisas...
“I think it is all a matter of love: the more you love a memory, the stronger and stranger it is”
VV Nabokov
a truly nice piece of writing, Ilhèu. vivid, passionate, insightful. enhorabuena.
xx
t
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