quarta-feira, 7 de maio de 2008

Esta estranha mania de ter pressa...

A natureza do tempo actual é a do adiamento e ser ansioso é uma chatice. Os empregos tardam, o dinheiro é pouco para tantas ambições, amores tardios anseiam por príncipes, aguarda-se com paciência de chinês uma consulta médica e o trânsito caótico nas estradas agrava mais o problema. A sociedade rejeita os ansiosos. Cada vez mais se estimulam esperas estóicas e crescem multidões de resignados. Por outro lado, sendo uma época submetida ao bem espiritual e físico, a ansiedade é proscrita como prejudicial à saúde, tal como tabaco ou a vida sedentária.

Mas não há erro nenhum na ansiedade. Seria tão absurdo como a acusação de ter pedra no rim ou reumático no cotovelo. Ninguém opta por um tipo de personalidade como quem escolhe um par de sapatos. Apenas o portador terá que se acomodar ao feitio e às mazelas decorrentes e encontrar mecanismos de desanuviamento, tal como a chaminé que liberta o fumo da lareira.

E, convenhamos, ter pressa é uma maçada. Querer tudo na hora, sem atrasos nem equívocos. A felicidade define-se pela surpresa infindável e a recusa da espera. A espera é um campo de angústia. Mesmo atingido o objectivo, não dá gozo nenhum. O ansioso detesta o prazo, adora a surpresa. Quando espera, consome-se. O alívio causado pela aparição do objecto de desejo nunca consegue colmatar o sofrimento causado. Sofre-se imenso ao olhar para um relógio que é mais lento do que um burro velho.

Por tudo isso, o sossego é a sua mira: não esperar nada, nem ninguém, nem o outro dia, nem o futuro. Como se qualquer ambição, por ser fruto de variáveis que não domina, devesse ser banida das preocupações. Procura-se o resultado e não o caminho. Qualquer caminhada é um desafio demasiado cruel. Prefere a meta.

Mas nem tudo é negativo numa personalidade ansiosa. Está vivo. O ritmo frenético não deixa que o mundo passe ao lado. Não anda a ver navios. Joga a vida sem esperar que os outros mexam os cordelinhos. E nunca desperdiça o princípio dos filmes, alguns fundamentais para a compreensão do todo; e nunca perde o comboio. Ás vezes, perde a paciência, mas esse é a cruz do ansioso: o dever de arquitectar uma paciência infinita para os não ansiosos.

6 comentários:

FLY disse...

Ai, ai essa (de)formação profissional! :)) Querer tudo explicadinho para poder explicar aos outros! :)) / Claro que não poderás entender... / São "coisas" minhas. Anotações aos teus dois últimos textos... / Apenas isso (e por "isso", entenda-se "tanto").

Abraço

::::: disse...

O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.

(A Condição Humana,
André Malraux)
.................
Eu às vezes sou apressada,
mas não sou de ter pressa! ;)

Unknown disse...

Pois olha, meu amigo, mais vale perder a paciência do que perder o comboio! Fazendo a defesa da "ansiedade", afianço-te que dá muito menos chatices...

A ansiedade incomoda, não acomoda.

Faz-nos agitar, não nos cola ao sofá.

Se fosse uma daquelas velhas redacções que nos obrigavam a escrever na escola primária, eu começaria: " Eu gosto muito da ansiedade! A ansiedade é muito bonita!" e assim por aí fora

Beijo

Anónimo disse...

A defesa da ansiedade baseia-se afinal na concepçãp de que a vida é um campo onde fomos largados para colher o maior número de frutos que for possível.
O problema é que como todos os sistemas de dependência esse obriga a que se aumente constantemente a dose do estímulo.

PSI

V. disse...

eu sou uma ansiosa disfarçada... :)

Anónimo disse...

Numa sociedade de loucos, quem não é louco é... louco. A velocidade dos acontecimentos é grande e torna dificil remar contra a corrente. Querer chegar a tudo é gerador de disturbios, até porque nesse "tudo" normalmente coexistem factores antagónicos... quanto mais não seja porque não há tempo para tudo. É aqui que entra a pressa para tentar resolver apenas algumas coisas... depois vem a ansiedade... e a sensação de que estou a perder o "comboio". Para mim, as coisas têm de ter conta, peso e medida. Se tivermos a sensibilidade para, de acordo om a exigência do momento, actuarmos em conformidade estamos no óptimo. Portanto tem de haver (entre outros) desde a calma à pressa. Quem faz este "cozinhado" é o cozinheiro e... quem não gosta de um bom tempero ?!