Rasgo-me por dentro à procura de trilhos e sorrio como uma criança quando os encontro espalhados em paisagens iluminadas por luas cheias, tantas quantas cabem numa folha de papel. Os quartos crescentes e minguantes divergem por simples letras e repudiam-se mutuamente como num jogo de xadrez. É estranho como, por vezes, as luas se escondem por tempo indeterminado e depois surgem do nada com a visibilidade dos dias, claras como lençóis de linho retirados da lixívia. Depois, a transparência favorece a andança e adivinha-se a meta antes da caminhada se iniciar. Os dedos fogem depressa por teclados inertes que ganham ruídos sem ecos e as palavras escorrem da solidão de um dicionário morto.
Outras vezes, resisto mal ao tempo que demora a passar. A vida é um oportuno teste à nossa paciência. Não procuro outro lugar, apenas clareiras onde se dissolvam os dias. E hoje comecei cedo correndo tanto para ocidente que ainda presenciei um sol orgulhoso a sair do monte. Não sinto pressa em descer o morro mas a praia cheia de luz atrai-me irresistivelmente. Tenho medo de ficar preso a sombras e a ilha não é o melhor local para encontrar sinaléticas. Porque será que quem está lá fora deslumbrado de espaço anseia a ilha como campo de libertação e reencontro consigo mesmo, e, para quem vive nela, o espaço indefinido é o cenário onde se desmembram mais facilmente as angústias?
3 comentários:
Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
incompletude?
Manoel de Barros
Ora, ora ... quando o tédio parece infindável a realidade logo se intromete. Metafísica é sintoma de má digestão. Reler N.
E por falar em correr: a tocha vai ateando o fogo por onde quer que passe. Assistiremos ainda à queda do maior dos muros?
Porque será que quem está lá fora deslumbrado de espaço anseia a ilha como campo de libertação e reencontro consigo mesmo e para quem vive nela o espaço indefinido é o cenário onde se desmembram mais facilmente as angústias?
alguns homens são as próprias ilhas. onde as angústias são maiores. onde não há espaço para reencontros porque não alcançam o deslumbre do espaço. espaço que se dá aos outros. há paisagens que (ainda bem) não cabem numa folha de papel. por mais que se queira. mas isso só sabe quem as vive.
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