Julgo que não tens razão quando afirmas que escrevo coscuvilhices. É a vida, simplesmente. Esvai-se em coisas simples e em pessoas que vivem encurraladas na sua existência banal. Por isso, as histórias não são verdadeiras, mas poderiam ser...
Como a história do Padre que receita ervas para todas as doenças, ervas que ele próprio planta no jardim, e com elas cura reumatismos, cancros de todos os feitios e moléstias da cachimónia. Afiançou-me que em 1980 avisou a irmã que vivia no Faial, uns minutos antes do tremor de terra que destruiu Angra do Heroísmo. Contaram-me que expulsa demónios em cerimónias semi-públicas; foi director de um jornal diário, escreve livros de contos, sabe falar sete línguas e domina o aramaico. Não me digas que não dava uma boa personagem para um grande romance.
Ou aquele meu amigo escritor que conheceste quando fomos a uma esplanada no Pátio da Alfândega e me deixou uma mensagem no telemóvel despedindo-se de mim e da vida. Eram 8.45 horas da manhã quando a ouvi e a hora de envio marcava 5.40 horas. A casa dele ficava perto de Porto Judeu. Estacionei o carro ainda longe e corri como um louco ribanceira acima. Cauteloso, quase borrado de medo cheguei à porta de entrada. Com um leve toque a porta abriu-se. No chão da entrada, centenas de cápsulas azuis vazias, retratos do filho e da ex-mulher escritas com mensagens de amor aos dois e uma desarrumação de garrafas de cerveja. A porta aberta do quarto iluminado pela luz de uma janela escancarada, lençóis brancos de linho em confusão e em cima da cama lá estava, imóvel. No ar um cheiro estranho de suores velhos. “L., L.!” abanei-o várias vezes e ele com a cabeça enfiada na almofada, acordou da morte e gritava com o desespero das mãos na cabeça "f. deixa-me em paz, deixa-me morrer em paz, c.!" Aproximei-me da janela repleta de sol e surpreendeu-me o azul do mar lá ao fundo da encosta, um lindíssimo azul escuro em contraste com o azul claro do céu. Ele justificava-se "f., tomei centenas daqueles comprimidos de merda, e não consegui morrer. Olha que c. de vida esta!” E olhou para mim com um olhar de doido: “Vai-te embora, f., deixa-me sozinho e diz à p. da minha mulher que morri. Promete-me que fazes essa merda!" Só lhe disse que estava proibido de me deixar mais mensagens de falsas mortes no telemóvel e saí batendo com a porta...
Cá fora, o sol grande como um pão-de-ló gigante batia na casa como se a quisesse levar com ele para o fundo do mar. A brisa retemperou-me, desci o morro com as pernas a tremer e aliviado pelo meu amigo que, em desespero, mas vivo, procurava uma saída.
Como a história do Padre que receita ervas para todas as doenças, ervas que ele próprio planta no jardim, e com elas cura reumatismos, cancros de todos os feitios e moléstias da cachimónia. Afiançou-me que em 1980 avisou a irmã que vivia no Faial, uns minutos antes do tremor de terra que destruiu Angra do Heroísmo. Contaram-me que expulsa demónios em cerimónias semi-públicas; foi director de um jornal diário, escreve livros de contos, sabe falar sete línguas e domina o aramaico. Não me digas que não dava uma boa personagem para um grande romance.
Ou aquele meu amigo escritor que conheceste quando fomos a uma esplanada no Pátio da Alfândega e me deixou uma mensagem no telemóvel despedindo-se de mim e da vida. Eram 8.45 horas da manhã quando a ouvi e a hora de envio marcava 5.40 horas. A casa dele ficava perto de Porto Judeu. Estacionei o carro ainda longe e corri como um louco ribanceira acima. Cauteloso, quase borrado de medo cheguei à porta de entrada. Com um leve toque a porta abriu-se. No chão da entrada, centenas de cápsulas azuis vazias, retratos do filho e da ex-mulher escritas com mensagens de amor aos dois e uma desarrumação de garrafas de cerveja. A porta aberta do quarto iluminado pela luz de uma janela escancarada, lençóis brancos de linho em confusão e em cima da cama lá estava, imóvel. No ar um cheiro estranho de suores velhos. “L., L.!” abanei-o várias vezes e ele com a cabeça enfiada na almofada, acordou da morte e gritava com o desespero das mãos na cabeça "f. deixa-me em paz, deixa-me morrer em paz, c.!" Aproximei-me da janela repleta de sol e surpreendeu-me o azul do mar lá ao fundo da encosta, um lindíssimo azul escuro em contraste com o azul claro do céu. Ele justificava-se "f., tomei centenas daqueles comprimidos de merda, e não consegui morrer. Olha que c. de vida esta!” E olhou para mim com um olhar de doido: “Vai-te embora, f., deixa-me sozinho e diz à p. da minha mulher que morri. Promete-me que fazes essa merda!" Só lhe disse que estava proibido de me deixar mais mensagens de falsas mortes no telemóvel e saí batendo com a porta...
Cá fora, o sol grande como um pão-de-ló gigante batia na casa como se a quisesse levar com ele para o fundo do mar. A brisa retemperou-me, desci o morro com as pernas a tremer e aliviado pelo meu amigo que, em desespero, mas vivo, procurava uma saída.
7 comentários:
The owner of this blog has a strong personality because it reflects to the blog that he/she made.
Well, all I can say is. Im hungry.
Well for me its better to be more realistic.
Há saídas que não conseguimos destrancar. Quando há portas trancadas é porque não devemos tentar abri-las.
Conheci alguém que não teve a mesma "sorte". Não gosto de fins trágicos :\
Beijo*
dizem que em sua boca se realiza a flor
outros afirmam:
a sua invisibilidade é aparente
mas nunca toquei deus nesta escama de peixe
onde podemos compreender todos os oceanos
nunca tive a visão de sua bondosa mão
o certo
é que por vezes morremos magros até ao osso
sem amparo e sem deus
apenas um rosto muito belo surge etéreo
na vasta insónia que nos isolou do mundo
e sorri
dizendo que nos amou algumas vezes
mas não é o rosto de deus
nem o teu nem aquele outro
que durante anos permaneceu ausente
e o tempo revelou não ser o meu
(A Invisibilidade de Deus in O Medo, Al Berto)
http://www.youtube.com/watch?v=tknZpdIW06k
*
qualquer pessoa vive aprisionada em si, mesmo sabendo que lá fora tudo pode ser diferente, independentemente de ti. o tempo passa em duas escalas diferentes, a interior e a exterior, e nenhuma pode ser alterada; e a exterior dá-nos sempre mais conforto. não sei porquê .__.
belo post :3
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