quinta-feira, 24 de julho de 2008

filhos pródigos

A vida leva-nos sempre para caminhos estranhos. É inevitável o abandono dos trilhos familiares. A dada altura, batemos com a porta e escapamos do ninho e daqueles que gostaram de nós. Antes, engordamos de mimos e obséquios, recebemos as oferendas essenciais à continuidade e depois, num belo dia, logo de manhã, quando a brisa fresca percorre o rosto como um sinal benfazejo e após leves sinais de despedida, caminhamos em frente. Não é ingratidão, é urgência. Leves, tão leves que julgamos que a vida é apenas o futuro que nos espera.

Depois percorremos o mundo inteiro, de lés a lés, com a pressa de olhar tudo o que nos tinha sido vedado. Consumimos tudo o que possuíamos, pedimos emprestado sabe-se lá onde, e, pela primeira vez em muito tempo, lembramo-nos da esteira, do regaço quente, do olhar cúmplice. Após voltas e reviravoltas, aventuras e desventuras, reencontramo-los num fim de tarde. No céu, um rasto avermelhado de um sol poente, alguém à nossa frente, com os braços pendidos e uma lágrima envergonhada ao canto do olho. Sem qualquer surpresa no rosto e sem perguntas. Sabia que voltávamos, mais cedo ou mais tarde. E lá estamos, sem nada para dizer, ambos carregando culpas similares, identificando no outro sinais de luto e peso do tempo. Seres quase estranhos pela distância firmada e, ao mesmo tempo, com a necessidade irreprimível de testemunharmos a falta que nos fez. O frio que passámos! No interior de casa o cheiro familiar dos cozinhados e em cima da mesa a sobremesa preferida. As saudades não se asseveram por palavras.

No final da noite deitamo-nos no quarto que foi nosso e ainda com os mesmos posters na parede e questionamo-nos pela exigência interior do regresso. Como somos capazes de perdoar as tentativas de menorização, esforços continuados em tentar impor a exclusividade do amor, afrontas à nossa autonomia, ensaios de alteração de passos e gostos? Será a serenidade, a pacificação com a vida, ou apenas a resposta tardia à dádiva de afectos que a nossa memória regista como sombras fugazes, pequenas luzes, exíguos fogachos?

No fundo, todos somos filhos pródigos. O afastamento daqueles que nos mimaram deveu-se à urgência da maturidade, à necessidade do risco. Uma ausência de amarras para tentar, na solidão, remar contra a maré. Depois, o inevitável reencontro. É essa a velha história. Afastamento porque a vida individual é incompatível com a proximidade. Permanecer significaria continuar pequenos como sempre fomos; ao ausentarmo-nos, mais cedo ou mais tarde, sentimos a necessidade do regresso.

E ficamos para sempre. Mantemos a distância para continuarmos a amar, mas na sua presença, porque sem ela o amor não chega. Sem ela perdura o vazio daquele recanto que não nos deixa ser felizes.

4 comentários:

Anónimo disse...

Quando os meus pais forem velhotes, trago-os comigo. Assim é mais giro! Tornamo-nos pais dos nossos pais.

FLY disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
FLY disse...

[Oh, My God!]

Dá-me pelo menos duas vidas. Uma para o dia a dia. Outra para o que me apetecer fazer com ela.

Abraço

Anónimo disse...

...tal qual a sucessão dos elos de uma corrente, assim são as gerações.
É estranho, mas é a vida. Parece a maior ingratidão que fazemos aos nossos pais, criaram-nos e agora que já não precisamos deles... afastamo-nos. Este afastamento não implica que seja necessariamente físico. Crescemos e queremos o nosso espaço, seja ele na mesma casa ou fora dela. É assim. Não há mais voltas a dar. Diferente disto, não seria normal. Estou inteiramente de acordo. Aguardemos sem receio pela vez dos filhotes nos fazerem a mesma coisa.
av