Foi com enorme surpresa que recebi notícias tuas. Pelo longo silêncio julgava-te moribunda ou, pior ainda, refém de algum grupo fundamentalista Filipino, nada meigos para com mulheres ocidentais que recusam atender reivindicações ideológicas e monetárias. Mas, afinal, continuas com a tua vidinha de sempre, nessa bonomia tão característica de quem não quer mudar uma palha para inverter a marcha das coisas. Limitas-te ao papel de vítima, resignas-te a lágrimas vertidas por opressões e amarras que são mais tuas do que daqueles a quem diriges a culpa. És infeliz, confirmas, pela proximidade com os que partilham a tua vida, uma conclusão dogmática a que não permites reservas ou contestação, pois nela te apoias para continuar a viver.
Cara amiga, permite-me a sinceridade. Se vais continuar a queixar-te das infidelidades do teu marido, do desprezo dos filhos, da frustração profissional, da solidão e por aí adiante, é bem contigo. Mas não desejo estreitar relações para ser apenas fiel depositário de desabafos infindáveis e nostálgicos de uma juventude perdida ou falta de sorte no tempo ulterior. Mais grave no teu caso, pois tudo é claro e não o assumes com medo da incumbência de tomares sobre os ombros a definição do teu caminho. Assim, a partir de agora, se quiseres relacionar-te comigo é pela positiva. Procura-me quando sorris, telefona-me para comunicares excitações e entusiasmos, escreve quando te exultares e ganhares guerras. Quanto a derrotas e decepções já tenho a minha parte. Aliás, como te alertei uma vez, os teus mutismos mais prolongados geralmente coincidem com ausência de percalços ou correspondem a etapas de equilíbrio e de optimismo. Parece que apenas me procuras para reagires à tragédia, em vez de te relacionares na esperança. Espero, sinceramente, que invertas as circunstâncias, de forma a ser possível o enriquecimento recíproco, através de contactos frequentes e profícuos. Os amigos, como bem sabes, não são para todas as ocasiões: não podem transformar-se em muletas de alguém incapaz de ser autónomo.
E se a violência do mundo alastra, num sentido metafísico, - enquanto resultado de uma alma humana cada vez mais selvagem e prevaricadora -, não é lícito que cada homem, individualmente, se represente como o indivíduo sofredor. Pelo menos aqueles que têm sobre os ombros o simples encargo de ser mais felizes do que os seus progenitores. Nós, os burgueses, pensamos sempre que o andamento do mundo se arrasta ao ritmo dos nossos passos e somos o protótipo dos sofredores por excelência. Mas é um embuste, minha cara amiga. Aqueles que encontram o desespero num buraco desconhecido e não esperam a ajuda de ninguém; aqueles que, pelo mundo fora, são julgados sem culpa formada e sem defesa; os que sofrem a barbárie do fanatismo e do tribalismo; os que morrem de fome, num processo tão lento quanto ignóbil; esses sim sofrem. A angústia está em segundos prévios a uma morte anunciada, aos instantes de terror face à eminência da execução, ou no momento em que se cruzam os braços por ausência de saídas.
O problema das pessoas como nós – exceptuando alguns momentos fugazes – é aprender, desde cedo, a colocar o semblante insatisfeito perante a vida. E os motivos são muitos semelhantes uns dos outros. Ou a relação amorosa não se vive com o entusiasmo imaginado, ou são ambições não cumpridas de férias em paraísos tropicais, ou a troca de automóvel inviabilizada por limitações das finanças familiares, ou porque os filhos não querem ser doutores e engenheiros, ou por escolherem consortes que não cabem em parâmetros de pedigree familiar, ou porque não casam e gostávamos de uns netos para preenchimento de vazios afectivos. No fundo, somos especialistas em inventar cenários de horror e motivos para preocupações. Não são azares, é forma de estar… Mas o sofrimento humano tem os seus parâmetros, identificados, datados e para os quais as angústias de “barriga cheia” são brincadeiras de crianças mimadas. Por isso levanta a cabeça, e joga forte nas tuas capacidades….
Julgar-me-ás insensível e egoísta, alguém que se acomoda por cobardia a uma vida banal, onde se tenta manter seguro e com rota definida. Tens razão. Julgo que a melhor forma de viver não é em excitação permanente ou com a elevação constante do espírito. Poderá significar lentidão, a alma adormecida num cadeirão confortável, o aceitar a inevitabilidade da angústia, do torpor, do bocejo. Mas ausência de ambição pode não significar resignação, mas simples adaptação ao que a vida é. É não a discutir, não tentar ultrapassá-la, nem a modificar de acordo com sonhos mais ou menos conscientes. Claro que o poderás fazer, até entrares num beco sem saída. Por isso, a mediocridade que falas como o espelho da vida, é apenas porque rejeitas a ideia de uma existência sem critérios de excelência (tão impossíveis quanto ineficazes) e não dás um verdadeiro passo para ocupares um percurso de realização pessoal.
Desta forma, não culpes ninguém por não seres feliz. Talvez seja aquilo que te impede de o tentares ser.
Cara amiga, permite-me a sinceridade. Se vais continuar a queixar-te das infidelidades do teu marido, do desprezo dos filhos, da frustração profissional, da solidão e por aí adiante, é bem contigo. Mas não desejo estreitar relações para ser apenas fiel depositário de desabafos infindáveis e nostálgicos de uma juventude perdida ou falta de sorte no tempo ulterior. Mais grave no teu caso, pois tudo é claro e não o assumes com medo da incumbência de tomares sobre os ombros a definição do teu caminho. Assim, a partir de agora, se quiseres relacionar-te comigo é pela positiva. Procura-me quando sorris, telefona-me para comunicares excitações e entusiasmos, escreve quando te exultares e ganhares guerras. Quanto a derrotas e decepções já tenho a minha parte. Aliás, como te alertei uma vez, os teus mutismos mais prolongados geralmente coincidem com ausência de percalços ou correspondem a etapas de equilíbrio e de optimismo. Parece que apenas me procuras para reagires à tragédia, em vez de te relacionares na esperança. Espero, sinceramente, que invertas as circunstâncias, de forma a ser possível o enriquecimento recíproco, através de contactos frequentes e profícuos. Os amigos, como bem sabes, não são para todas as ocasiões: não podem transformar-se em muletas de alguém incapaz de ser autónomo.
E se a violência do mundo alastra, num sentido metafísico, - enquanto resultado de uma alma humana cada vez mais selvagem e prevaricadora -, não é lícito que cada homem, individualmente, se represente como o indivíduo sofredor. Pelo menos aqueles que têm sobre os ombros o simples encargo de ser mais felizes do que os seus progenitores. Nós, os burgueses, pensamos sempre que o andamento do mundo se arrasta ao ritmo dos nossos passos e somos o protótipo dos sofredores por excelência. Mas é um embuste, minha cara amiga. Aqueles que encontram o desespero num buraco desconhecido e não esperam a ajuda de ninguém; aqueles que, pelo mundo fora, são julgados sem culpa formada e sem defesa; os que sofrem a barbárie do fanatismo e do tribalismo; os que morrem de fome, num processo tão lento quanto ignóbil; esses sim sofrem. A angústia está em segundos prévios a uma morte anunciada, aos instantes de terror face à eminência da execução, ou no momento em que se cruzam os braços por ausência de saídas.
O problema das pessoas como nós – exceptuando alguns momentos fugazes – é aprender, desde cedo, a colocar o semblante insatisfeito perante a vida. E os motivos são muitos semelhantes uns dos outros. Ou a relação amorosa não se vive com o entusiasmo imaginado, ou são ambições não cumpridas de férias em paraísos tropicais, ou a troca de automóvel inviabilizada por limitações das finanças familiares, ou porque os filhos não querem ser doutores e engenheiros, ou por escolherem consortes que não cabem em parâmetros de pedigree familiar, ou porque não casam e gostávamos de uns netos para preenchimento de vazios afectivos. No fundo, somos especialistas em inventar cenários de horror e motivos para preocupações. Não são azares, é forma de estar… Mas o sofrimento humano tem os seus parâmetros, identificados, datados e para os quais as angústias de “barriga cheia” são brincadeiras de crianças mimadas. Por isso levanta a cabeça, e joga forte nas tuas capacidades….
Julgar-me-ás insensível e egoísta, alguém que se acomoda por cobardia a uma vida banal, onde se tenta manter seguro e com rota definida. Tens razão. Julgo que a melhor forma de viver não é em excitação permanente ou com a elevação constante do espírito. Poderá significar lentidão, a alma adormecida num cadeirão confortável, o aceitar a inevitabilidade da angústia, do torpor, do bocejo. Mas ausência de ambição pode não significar resignação, mas simples adaptação ao que a vida é. É não a discutir, não tentar ultrapassá-la, nem a modificar de acordo com sonhos mais ou menos conscientes. Claro que o poderás fazer, até entrares num beco sem saída. Por isso, a mediocridade que falas como o espelho da vida, é apenas porque rejeitas a ideia de uma existência sem critérios de excelência (tão impossíveis quanto ineficazes) e não dás um verdadeiro passo para ocupares um percurso de realização pessoal.
Desta forma, não culpes ninguém por não seres feliz. Talvez seja aquilo que te impede de o tentares ser.
1 comentário:
Mas ausência de ambição pode não significar resignação, mas simples adaptação ao que a vida é.
Esta será uma das frases da minha vida.
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Só faltava mesmo a ilha para acrescentar ao imaginário de todos nós, que já estamos ancorados neste cantinho. Lindo...
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