Nestas férias da Páscoa, em viagem ao princípio da noite, na auto-estrada Porto –Lisboa, e bem perto da saída para a Figueira da Foz, começou a chover, primeiro uma chuva miudinha como pequenos gafanhotos expelidos da boca de um gago, depois gotas tão grossas como arroz carolino que golpeavam os vidros e escondiam a estrada. Sem nada o fazer prever, o limpa-pára-brisas deixara de funcionar. Eu bem abanava o manípulo com grande empenho, mas sem remédio tive de parar numa berma enquanto, ao meu lado, automóveis em velocidade de ponta como se tivessem lá dentro uma grávida em fim de tempo. Andei a pé uns minutos que pareceram horas até que descobri um telefone e ao pedir assistência tive muita dificuldade em dizer o local onde me encontrava porque é muito difícil nós termos a noção de qualquer outra coisa para lá do incómodo de estarmos dentro de uma auto-estrada e querermos sair rapidamente. O apoio chegou muito tempo depois e como o problema não foi resolvido, chamaram um reboque, mas não teve qualquer utilidade porque parara de chover e arrisquei fazer a restante viagem sem limpa-pára-brisas.
Esta história tão real como qualquer coisa a que chamamos realidade (aquele misto de concreto que se toca e, simultaneamente, um passado envolto em névoa fantasmagórica) fez-me pensar que algo tão ridiculamente importante como o limpa-pára-brisas colocava em causa o todo, menorizava de forma cruel as peças mais importantes do automóvel. Ou seja, nunca nos lembramos dos acessórios, até um dia em que eles se revoltam e se divertem em nos deixar apeados em qualquer fim-do-mundo.
Devido ao acontecimento lamentável pensei que, do mesmo modo, pequenos pormenores, tão pequenos que demorámos anos a ter consciência deles, sejam causa da infelicidade mais profunda porque analisamos a vida pelo prisma do limpa-pára-brisas. Andamos constantemente enredados em pequenas tragédias, em pequenos problemas que nos tapam os olhos, que nos bloqueiam os afectos, que nos distraem dos mistérios, nos escondem a beleza, nos retiram o prazer, nos fazem andar cá como condenados porque os outros têm, esses sim, a vida que sonhamos ter, a vida que não nos quer felizes como todos eles. Só que todos os outros pensam o mesmo…
Esta história tão real como qualquer coisa a que chamamos realidade (aquele misto de concreto que se toca e, simultaneamente, um passado envolto em névoa fantasmagórica) fez-me pensar que algo tão ridiculamente importante como o limpa-pára-brisas colocava em causa o todo, menorizava de forma cruel as peças mais importantes do automóvel. Ou seja, nunca nos lembramos dos acessórios, até um dia em que eles se revoltam e se divertem em nos deixar apeados em qualquer fim-do-mundo.
Devido ao acontecimento lamentável pensei que, do mesmo modo, pequenos pormenores, tão pequenos que demorámos anos a ter consciência deles, sejam causa da infelicidade mais profunda porque analisamos a vida pelo prisma do limpa-pára-brisas. Andamos constantemente enredados em pequenas tragédias, em pequenos problemas que nos tapam os olhos, que nos bloqueiam os afectos, que nos distraem dos mistérios, nos escondem a beleza, nos retiram o prazer, nos fazem andar cá como condenados porque os outros têm, esses sim, a vida que sonhamos ter, a vida que não nos quer felizes como todos eles. Só que todos os outros pensam o mesmo…